segunda-feira, 7 de julho de 2014

How much?

Mari D'Amore

Porque, na vida, nada é suficiente.

Os problemas nunca parecem o bastante. Após o primeiro temos mais um, mais outro e mais outro.

E quando ganhamos mais, gastamos mais e queremos mais e muito mais. E precisamos de mais, é uma matemática simples.

E os sapatos? E os brigadeiros? E os gadgets e fases vencidas no game?

E a bebida?

E o tempo? E o descanso? E o sono?

Nada, mas absolutamente nada é suficiente. Mesmo quando suficiente é o que precisamos, não apenas o que queremos.

Como gostar de alguém. Não é questão de gostar muito ou pouco, mas gostar o suficiente.

A vida não parece suficiente. Estamos sempre em busca de algo. Algo novo, uma mudança ou ainda um resgate de algo do passado. Parece que sempre falta algo que não está ali, mas que deveria estar.

E não adianta buscar a racionalidade e objetividade da vida. É sempre preciso algo a mais. Ou diferente. Ou uma grande troca, desfecho, virada do avesso.

Queremos o emprego, mas o salário é insuficiente. Queremos o apartamento, mas o bairro é insuficiente. Queremos o carro, mas o trânsito é além de suficiente.

Queremos a vida noturna, mas a disposição é insuficiente. Queremos a gastronomia e a cultura, mas o dinheiro é insuficiente. Queremos, buscamos, precisamos, mas não conseguimos, não alcançamos.

Insuficiente parece ser a palavra de ordem de nossas vidas.

Não adianta aplicar teorias e teoremas nesse caso. Somos seres condicionados a estarmos sempre buscando algo e, por isso, a sensação de insuficiência é eterna.

Não acaba. Desanima. Esgota.

Seríamos seres mais elevados se conseguíssemos nos contentar com menos. Mas a questão aqui não é apenas a quantidade, mas também a intensidade.

Uma vez li que em São Paulo as pessoas estão sempre buscando por um emprego, um apartamento ou um namorado.


Pelo menos estou em busca apenas de um. Por esse lado, posso dizer um é o suficiente. Suficiente? Ufa!

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Quando o imperfeito é perfeito

Mari D'Amore

Ela dormia pouco e acordava de mau humor.

Exigia o lado esquerdo da cama e ocupava ela quase inteira.

Ela não chorava em filmes ou livros ou músicas. Ela chorava no banho, em um dia qualquer, sem conseguir explicar por quê.

Ela falava muito. E falava alto.

Ela não gostava de Caetano Veloso. Não queria nunca discutir política.

Ela tinha pequenos preconceitos. Ela não sabia lidar com críticas.

Ela gastava demais. Ela queria sempre mais.

Ela acordava querendo praia, almoçava querendo cama e ia dormir querendo dançar a noite toda.

Ela ficava calada quando mais precisava desabafar.

Ela desabafava demais quando deveria calar.

Ela criticava seu corpo. Ela não ia à academia.

Ela não tinha ideais socialistas. Ela não lia Marx, Kant, Jung, sequer Drummond.

Ela exagerava na bebida. Ela dirigia depois de 2 ou 3 cervejas.

Ela não fazia caridade.

Ela reclamava demais. Ela era prepotente.

Ela era independente demais, mas era carente demais. Era contraditória.

Ela não tinha cabelos perfeitos. Ela dormia de sutiã. Ela tinha mania de limpeza.

Ela tinha reações diferentes para o mesmo sentimento. Ela era imprevisível, intempestiva, inconsequente.

Ela estava sempre certa. Ela achava que estava sempre certa.

Ela tinha preguiça. Constantemente.

Ela não aceitava perder, errar, falhar. Ela tinha uma crítica sobre tudo e todos a qualquer momento que pedissem. E mesmo quando não pedissem.

Ela não usaria alianças. Ela não usaria véu. Ela detestava a ideia de ser o centro das atenções.

Ela comia demais. Ela não sabia cozinhar.

Ela queria ser tratada como rainha.

Ela queria ser compreendida nas entrelinhas.

Ela tinha uma resposta para tudo. Ela revirava os olhos quando não aguentava mais alguma coisa.

Ela achava que pensar era o suficiente. E que os outros leriam seus pensamentos.

Ela demonstrava insatisfação. Mas não explicava os motivos.

Ela passava a noite dançando sem dar atenção a ninguém.

Ela tinha mania de falar nada quando deveria gastar todo seu vocabulário. E era prolixa quando ninguém estava com vontade de ouvir.

Ela falava durante os filmes.

Ela detestava surpresas escandalosas, mas queria ser surpreendida. Sempre.

Ela trocava sexo por conversas longas. Ela queria sexo da mais alta qualidade.

Ela ficava nervosa, perdia a razão. Ela gritava quando não tinha mais argumentos.

Ela não gostava de flores, e reclamava que nunca ganhava um buquê.

Ela tinha quinze defeitos para cada qualidade. Mas tinha uma bela meia dúzia de qualidades suficientes para que ele quisesse passar o resto da vida com ela.

Aturando cada problema, cada erro. Se deliciando com duas ou três coisas irresistíveis que ela ostentava.

Porque ela era apenas um punhado de atributos, e por isso era o seu punhado de felicidade. 

Para sempre.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Tudo acaba

Mari D'Amore


Porque até amor acaba.

O tesão se vai. O interesse se desintegra. A curiosidade atinge seu limite.

Aquela vontade de se ver não é mais diária, acontece de vez em quando até que acontece nunca mais.

As perguntas cessam, o frio na barriga se despede, o carinho perde o sentido.

Aquele abraço não faz tanta falta, você não sonha mais com ele todas as manhãs.

O brilho se apaga. A beleza se desfaz. A vontade parece saciada.

Você não pensa mais naquela pessoa assim que acorda, nem sonha mais com ela à noite.

O encanto desaparece, a ansiedade termina, o frio na barriga não se repete.

As lembranças não rondam mais seus pensamentos ao longo do dia, aquela música especial não te faz mais sorrir quando toca.

O ciúme torna-se inexistente. O desassossego finda.

Você não morde mais os lábios quando lembra daquela pessoa. Você sequer se lembra dela com frequência. Você não perde mais a noção do tempo no trabalho, no banho, na caminhada.

A surpresa esgota. A inquietude encerra. O medo não aparece mais.

Você não planeja mais loucuras. Você não chora mais de saudade.

A graça se perde.

Você passa a conseguir viver sem aquela pessoa. Você passa a querer viver sem aquela pessoa.

O amor acaba. E você percebe.

E dói. E desespera. E faz chorar.

E dá saudade. E dá tristeza. E rasga o coração.

E faz você querer mudar tudo. Faz você querer voltar no tempo.

E dói, mais um pouco. Uma hora passa, mas ainda dói. Por muito tempo.

Você só não queria que fosse com você, você só não queria ser “aquela pessoa”.

Mas sabia que esse dia poderia chegar. Sabia que realmente chegaria.

Porque até o amor acaba. E você bem sabia disso.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Um picolé

Mari D'Amore


Não me ofereça um picolé.

Uma picolé doce, pequeno, singelo, breve.

Aquele pequeno agrado para disfarçar uma dor enorme, uma desfeita descabida. Aquele afago depois de me fazer perder o chão.

Um prêmio de consolação.

Um abraço se o que eu quero é um beijo.

Um sorriso quando o que eu quero é a felicidade.

Um elogio quando eu quero amor.

Uma noite quando eu quero uma vida.

Não me ofereça um picolé todas as vezes que não puder estar comigo. Quando subestimar minha inteligência. Quando eu disser que não me sinto bem.

Não me ofereça um picolé quando eu te oferecer minha sinceridade absoluta. Quando eu confessar que preciso de cuidado.

Não me dê um picolé em forma de conselho, quando o que eu preciso é de conforto.

Não me dê um picolé em forma de “estou com saudade” quando o que preciso é de você preenchendo o meu dia.

Não me dê um picolé em forma de desculpas, quando o que eu quero é uma nova atitude.

O picolé me adoça, me alegra, me faz sorrir. Mas por alguns minutos. Não é o bastante. Nunca será.

Não me ofereça um picolé. 

Me deixe chorar minha tristeza, sentir meu amargo, se a doçura do seu gesto for durar apenas 15 minutos.

domingo, 29 de dezembro de 2013

Escolhendo os potinhos para a vida

Mari D'Amore

Uma vez descrevi a vida em forma de potinhos. Como seria bom ter potinhos disponíveis com amor, saúde, alegria, ombro amigo, bom humor. Mas a verdade é que não temos uma estante repleta de potinhos com sabores e sentimentos da vida à nossa total disposição para quando precisamos.

Não literalmente.

Mas por que não podemos criá-la, dentro de nossas mentes? Criá-la de uma forma que podemos utilizá-la e transformar a nossa vida em algo mais saboroso, mais leve, mais feliz?

Por que não acordar em um dia chuvoso e abrir o potinho da disposição?

Por que não terminar um dia difícil, cheio de problemas, abrindo o potinho da resiliência?

Por que não transformar um dia bom em um dia ótimo, abrindo o potinho da realização?

Por que não recostar a cabeça aliviado abrindo um potinho da calma e tranquilidade?

Infelizmente, não podemos de forma fácil e automática escolher como será nosso dia, nossa semana, nosso humor. Não temos o poder de fazer algo triste virar feliz ou algo sem graça se tornar incrível num passe de mágica, é verdade. Mas por que não podemos cuidar de nosso coração com mais amor?

Por que não avaliarmos nossos sentimentos de forma mais realista e mais sensata?

Por que não curarmos nossas dores com nossas próprias forças e boa vontade?

Por que não tomarmos decisões difíceis quando elas, simplesmente, precisam ser tomadas por um bem muito maior?

Por que não transformarmos dificuldades em força, dores em mudanças, tristezas em coragem?

Sei que nada disso é fácil. São vidas complicadas, decisões importantes, problemas em cima de problemas.

Mas que eles se tornem força para que a gente consiga ter uma vida mais alegre, mais bem humorada, menos sofrida e cheia de reclamações e mais divertida, leve, repleta de voltas-por-cima e rir-da-desgraça-inevitável.

Que exista um pote cor de rosa fluor, pink, bem forte e vibrante, que transforme desânimo em energia para que a gente possa reverter nossas próprias vidas em histórias felizes.

É esse o potinho que quero, para mim e para você.

Sejamos felizes, seja lá quais forem os desafios que tenhamos que enfrentar.

Sejamos alegres. Isso que importa. Sempre.