quinta-feira, 26 de junho de 2014

Quando o imperfeito é perfeito

Mari D'Amore

Ela dormia pouco e acordava de mau humor.

Exigia o lado esquerdo da cama e ocupava ela quase inteira.

Ela não chorava em filmes ou livros ou músicas. Ela chorava no banho, em um dia qualquer, sem conseguir explicar por quê.

Ela falava muito. E falava alto.

Ela não gostava de Caetano Veloso. Não queria nunca discutir política.

Ela tinha pequenos preconceitos. Ela não sabia lidar com críticas.

Ela gastava demais. Ela queria sempre mais.

Ela acordava querendo praia, almoçava querendo cama e ia dormir querendo dançar a noite toda.

Ela ficava calada quando mais precisava desabafar.

Ela desabafava demais quando deveria calar.

Ela criticava seu corpo. Ela não ia à academia.

Ela não tinha ideais socialistas. Ela não lia Marx, Kant, Jung, sequer Drummond.

Ela exagerava na bebida. Ela dirigia depois de 2 ou 3 cervejas.

Ela não fazia caridade.

Ela reclamava demais. Ela era prepotente.

Ela era independente demais, mas era carente demais. Era contraditória.

Ela não tinha cabelos perfeitos. Ela dormia de sutiã. Ela tinha mania de limpeza.

Ela tinha reações diferentes para o mesmo sentimento. Ela era imprevisível, intempestiva, inconsequente.

Ela estava sempre certa. Ela achava que estava sempre certa.

Ela tinha preguiça. Constantemente.

Ela não aceitava perder, errar, falhar. Ela tinha uma crítica sobre tudo e todos a qualquer momento que pedissem. E mesmo quando não pedissem.

Ela não usaria alianças. Ela não usaria véu. Ela detestava a ideia de ser o centro das atenções.

Ela comia demais. Ela não sabia cozinhar.

Ela queria ser tratada como rainha.

Ela queria ser compreendida nas entrelinhas.

Ela tinha uma resposta para tudo. Ela revirava os olhos quando não aguentava mais alguma coisa.

Ela achava que pensar era o suficiente. E que os outros leriam seus pensamentos.

Ela demonstrava insatisfação. Mas não explicava os motivos.

Ela passava a noite dançando sem dar atenção a ninguém.

Ela tinha mania de falar nada quando deveria gastar todo seu vocabulário. E era prolixa quando ninguém estava com vontade de ouvir.

Ela falava durante os filmes.

Ela detestava surpresas escandalosas, mas queria ser surpreendida. Sempre.

Ela trocava sexo por conversas longas. Ela queria sexo da mais alta qualidade.

Ela ficava nervosa, perdia a razão. Ela gritava quando não tinha mais argumentos.

Ela não gostava de flores, e reclamava que nunca ganhava um buquê.

Ela tinha quinze defeitos para cada qualidade. Mas tinha uma bela meia dúzia de qualidades suficientes para que ele quisesse passar o resto da vida com ela.

Aturando cada problema, cada erro. Se deliciando com duas ou três coisas irresistíveis que ela ostentava.

Porque ela era apenas um punhado de atributos, e por isso era o seu punhado de felicidade. 

Para sempre.

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