domingo, 4 de novembro de 2012

Adaptação

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Era mais um dia de preguiça. E mais uma noite de solidão.

Aquele feriado apenas transformou o típico final de semana de dois dias em três, mas pareceu longo, longo até demais.

Foram dias de reflexão, dias de decisão, dias de encruzilhadas.

Ela estava sozinha, sozinha de verdade. Era seu primeiro feriado sozinha, depois de longos 12 anos.

Ela não sabia muito bem o que fazer, o que mudar, não sabia direito onde sentar. O apartamento, amplo e cuidadosamente decorado durante mais de uma década, preparado para uma vida longa e feliz a dois agora parecia outro lugar. Ela se sentia como se tivesse mudado de país.

Ao invés dos planos antes regulares de viagens curtas incríveis em feriados que vinham como folgas embaladas em uma linda caixa de presente, decidiu ali ficar. Arrependeu-se da decisão mais de dez vezes.

Ela se sentia feliz por estar sozinha, foi uma atitude muito bem pensada, tranquila, era o que queria, era o que deveria ter sido feito, mas o resultado era estranho. Ao menos naquele início, era.

Ela não sabia mais acordar e começar o dia sozinha, não se encaixava no sofá, sentia falta daquela poltrona que ele decidiu levar consigo.

Na estante, um grande espaço vazio, antes ocupado pelos CDs e DVDs que ele separou em sua mudança.  Ela jamais poderia imaginar que sentiria tanta falta de Indiana Jones. Ou de Alice in Chains.

O apartamento de 90m² parecia ter 590. Ela se sentia desconfortável, se sentia meio perdida. Andava pelo apartamento, não sabia o que queria, se sentia sede ou fome. Nem se queria dormir.

No primeiro dia, dormiu no sofá. No segundo, também. No terceiro, dormiu em sua cama, mas não sem antes adormecer na poltrona confortável que fica em um cantinho especial da sala até as 4h40 da manhã.

Ela não sabia mais fazer café, não sabia a medida, não sabia servir apenas uma xícara.
Ela sentia falta do espaço que ele ocupava, dos passos no assoalho de madeira, de compartilhar vontades e dúvidas, de decidir com alguém o que fazer naquele dia.

Ela sabia que era temporário, que iria se acostumar um dia, mas ainda estava pisando em ovos, com o olhar vazio. Sentia-se um corpo magro e desajeitado dentro de roupas enormes, sem forma, sem definição, sem estilo e sem propósito.

Ela olhava pela janela e via o dia terminando, o feriado terminando, e de certa forma sua agonia terminando. O dia seguinte seria um dia “normal” – ou quase isso. Ela saberia o que fazer, e isso já era um grande alívio: Acordar, tomar banho, ir trabalhar, ir à academia, voltar para casa e preparar uma comidinha gostosa. Ainda sim estranho, mas era uma rotina que não poderia mudar. A única das rotinas que não mudaria, então se sentia em casa, totalmente à vontade com o passo-a-passo.

Na parede da cozinha, que servia como lousa, decidiu escrever o que não poderia esquecer naquela semana: diminuir a frequência da faxineira, pagar a conta da tinturaria, chamar o eletricista, pagar a conta da TV a cabo.

Ao terminar, passou mais de cinco minutos olhando a lista. Decidiu desenhar uma flor. Apenas uma. Pequena e delicada. Respirou mais uma vez e então escreveu: “Virar a página. E acostumar-se com isso”.

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