segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Mamihlapinatapai


Nunca te vi, sempre te amei.

Era um daqueles casos diferentes, inesperados, sem qualquer planejamento antecipado.

Mas era recíproco.

Naquele café charmoso, com ares franceses e banquinhos no balcão, os pensamentos estavam longe, desconectados. Mas, de repente, estavam um no outro.

Eles simplesmente se olharam, se observaram, se notaram. Sorriram disfarçadamente.

Para ela, cappuccino com creme.

Para ele, espresso. Duplo.

Era uma manhã de domingo, parecia um day after, mas era mais nada que um domingo qualquer. Sozinho, quase solitário, para cada um deles.

Ali, naquele any given moment, eles permaneciam, calados.

Olhares espontâneos, sorrisos planejados.

De repente, um movimento, a aproximação e a inevitável troca de lugares.

"Muito prazer. Qual o seu nome?"

Mais um cappuccino, mais um espresso. Duplo.

E vamos falar do tempo. Da capa do jornal. Do filme em cartaz. Da providencial água com gás que acompanhava o café.

Vamos então falar do bairro, da pasta da cantina da esquina. Da bomba de chocolate incrível que tem na padaria.

Assuntos aleatórios, combinações bem aceitas.

Em poucos minutos, uma mão suada, uma coceira repentina na nuca.

O café já não era suficiente. A adrenalina estava alta.

Era uma vontade meio descabida, um desejo mútuo, fácil, de graça.

Ela não queria ser atrevida. Ele não queria se enganar.

Nos momentos seguintes, olhares. Significativos. Comunicativos. Alta voltagem.

Ele queria, e ela também. Eles sabiam que queriam a mesma coisa, mas nem um e nem o outro queriam começar. Receio.

De quê?

Aquele momento durou muito tempo. Mais do que seria confortável.

Ele piscou. Ele sorriu. Ela molhou os lábios. Ele ficou sério. Ela se ajeitou no banco.

Ele desceu do seu, se aproximando...  Mamihla.

Ela descruzou os braços, permitindo... Pinatapai .

Finalmente.


*Agradecimentos especiais ao Fabiano Pereira que com sua ironia e humor ácido fez surgir a ideia para esse texto.

**Mamihlapinatapai é uma palavra da língua Yagan, da Terra do Fogo. Ela descreve "um olhar trocado entre duas pessoas no qual cada uma espera que a outra tome a iniciativa de algo que as duas desejam, mas nenhuma quer começar ou sugerir". 


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