terça-feira, 4 de setembro de 2012

Retrato



Um dia uma mulher, quase uma menina, disse a ele “as pessoas têm limites, e devemos respeitá-los”.  Aquilo o fez pensar por um bom tempo e ele aceitou, concordou e passou a sempre considerar os limites alheios em suas opiniões, vontades, pedidos e anseios.

Ele passou anos assim, respeitando cada limite que identificava em todos: na mãe, no pai, na namorada, na antiga namorada, em todos os amigos, desde os próximos até os mais distantes, chefes, nos colegas de trabalho, nos parceiros, no barman do pub, no porteiro do prédio.

Ele passou a acreditar que não podia exigir mais do que as pessoas podiam dar. Que não podia atingir resultados que as pessoas não podiam ou não queriam acompanhar. Que não podia conquistar confianças que as pessoas não queriam oferecer. Que não podia ganhar corações que não queriam se abrir. Que não podia filosofar e contar histórias que as pessoas não estavam dispostas a ouvir. Ou pensar.

Ele viveu confortavelmente assim por muito, muito tempo. Passou a compreender o ser humano de uma forma mais rápida, mais sincera. Passou a respirar a tranquilidade que a aceitação oferecia, parecia tudo mais ágil, mais leve, mais simples.

Um dia, um daqueles dias ruins, ele estava triste. Estava decepcionado, sentindo um vazio, estava sem norte, estava confuso. Naquele dia, seu coração estava pequeno, ele se sentia sozinho. Sentia que estava sendo negligenciado, pouco amado, deixado de lado.

Nesse dia, ele percebeu os seus limites. Percebeu que tinha limites curtos e outros muito longos, muito distantes e que precisavam ser alcançados. Mas que os tinha.

Nesse dia, ele se deu conta que estava desrespeitando os seus limites na tentativa de sempre respeitar os alheios. Ele deixava de lado o que sentia por respeito ao sentimento do outro. Ele desistia de vontades por respeito às vontades do outro. Ele aceitava “nãos” e silêncios porque respeitava o momento do outro.

Ele se deu conta que sua aceitação, sua tranquilidade, oferecia a todos a licença, a permissão de decidir por ele, de oferecer a ele o que bem entendessem, independentemente daquilo que ele precisava, ou esperava.

Ele percebeu que recebia muito menos, e se decepcionava muito mais. Percebeu que a regra do limite era completamente ignorada ou não seguida quando os limites eram os dele.

Ele decidiu então, a partir daí, respeitar os seus limites. Não acima de tudo e de todos, mas a ouvir e seguir seus instintos, a definir o que merecia e o que deveria receber.

Não se alterou, não se revoltou, não cometeu loucuras. Passou apenas a ser justo, com o mundo, sim, mas especialmente consigo.

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