sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O que vale


Eu não sei o que tô sentindo.
Mas se não sabe, como está sentindo?

Não sei. Mas de repente eu sei o que tô pensando.

Eu sei o que eu tô pensando.
Então me conta.
Não sei contar. Sou péssima com palavras explicativas, termos ilustrativos...

Ah, mas aí eu também não sou bom com sentimentos.

Até porque sentimento não se define.

É verdade.

Já percebeu que qualquer definição de qualquer sentimento é vaga?

Vaga e confusa. Eu acho.

Piegas. Clichê.

Porque quem define sentimento é porque não sente.

É, passam um tempão tentando definir, não sobra tempo para sentir.

É como um julgamento. Aí você só olha para fora, para concluir, esquece de olhar para dentro.
Eu prefiro não sentir. Acho que vou começar a definir mais.

Mas você tem potencial para sentir. Nunca pensou nisso?

Não. Mas também meu lado chato me comanda, fica querendo definir.

Mas eu nunca ouvi você definir nada. Quer dizer, nunca ouvi você definir sentimentos.

Mas eu posso escrever.

Também nunca li.

Mas eu posso só pensar.

Mas aí é injusto demais. E pensar só se faz quando não se está fazendo mais nada.

É verdade. Não é bem isso que faço.

Então por que você diz que define se nunca vi você definir.

É porque quando estou com você eu sinto. E quem sente não define.

Acho que não dá para definir quem sente também.

É. Isso também não.

Acho que essa mania de dicionário é bem cansativa.

Eu acho também. Mas não é o que a gente está fazendo?

Não. A gente está divagando.

Filosofando, talvez?

É filosofia de bar, talvez. Mas tudo bem.

Eu acho bem interessante.

É. E isso é intrigante.

O quê?

Isso.

Isso o quê?

A gente.

Como assim?

Como a gente lida com as coisas.

Que coisas?

Qualquer coisa. O que a gente vê, pensa, sente...

Eu gosto do jeito que você lida comigo.

Por quê?

Porque você não me define, você me pergunta as definições.

É, mas eu não acredito em várias delas.

Mas deveria, sou bem honesta. Especialmente sobre mim.

Não, eu olho para você e leio tudo, o que você diz sobre você carrega julgamento. 

Mas a gente precisa se julgar de vez em quando.

Eu te julgo. Te julgo mais do que você imagina.

E por que eu não ligo?

Porque você sabe que eu te acho incrível. Simples.

Mas nada é simples.

Muita coisa é. Mas você não é. E é disso que mais gosto.

Dá para parar de falar que gosta de mim? Você vai se tornar dependente.

Sou dependente de felicidade. Se você passa isso para mim, eu vou ficar o resto da vida aqui falando com você.

Ah, uma ótima maneira de disfarçar sua dependência de mim.

Eu só disfarço isso, não escondo.

E a gente um dia termina esse devaneio?

Só quando você parar de definir coisas.

Paro quando você parar de pensar.

Então posso pelo menos sentir?

Só se for para sentir algo por mim.

Mas eu não sou assim tão sentimental.

Se você for do jeito que eu tô vendo, já está ótimo, nem precisa ser sentimental.

E você, será que pode ser menos?

Menos o quê?

Menos o que eu adoro.

O que você adora?

Adoro que você gosta tanto do que eu também gosto muito.

E o que é isso?

Falar, falar e falar. Será que a gente um dia para?

Só quando pararmos de pensar.

Ou de sentir.

Parei de sentir.

E eu de pensar.
E o que vamos fazer agora, então?
Boa pergunta...