domingo, 13 de maio de 2012

Meus pais são criminosos

Hoje estava lendo um pequeno post da revista TPM que dizia que todas as mães são criminosas. Nele, depoimentos de editores e colaboradores da revista sobre as contravenções das mães - todas que garantiram momentos felizes, engraçados e resultou em seres humanos normais no mundo (considerando que ninguém é realmente normal).

Fiquei emocionada. Vi ali que fui criada dentro de muitas, centenas e centenas do que hoje pode ser chamado de crime, que garantiria aos meus pais diversos depoimentos e interrogatórios em uma delegacia e que, na verdade, só me garantiram uma infância de verdade.

Quando era pequena, meu pai fumava. E muito. Ele pedia para eu ir comprar cigarro para ele na padaria e eu ia, com 7,8,9 anos de idade. De vez em quando até acendia o cigarro prá ele só encostando a ponta no fogo do fogão e lembro que coloquei na boca por curiosidade quando tinha uns 6 ou 7 anos - isso não me matou e nem me viciou. Sim, eu ficava perto do fogão porque era a terceira filha e minha mãe não tinha 10 olhos no corpo.

Lembro que meus pais estavam com uma vida financeira apertada e o carro da família era um Saveiro. Que pais em sã consciência compram uma saveiro tendo 3 filhos e um cachorro? Pois é, eles compraram e a gente ia até Ubatuba na caçamba - com colchões, travesseiros e, claro, capota. De lona! Ele ia devagar e minha mãe olhando pela janela de vidro de 2 em 2 minutos. Ficamos sempre bem.

Meu pai sempre trabalhou muito, mas tem uma veia boêmia (DNA is a bitch, by the way) para o pouco horário livre que conseguia, e frequentemente tomava Campari no restaurante à beira da praia que pertencia ao meu avô. Tomava whisky também mas o bonito era aquele copo longo vermelho do Campari. Era só ele bobear e eu tava lá, com a boca no copo, tomando um golinho pequeno. E ele falava que não podia, mas eu ia sempre que ele bobeava. E fazia isso com vinho, fazia com whisky achando ruim, e até cerveja. Na verdade, lembro-me muito bem que falei que tomei uma Budweiser e gostei e meu pai, num sábado de churrasco no terraço do apartamento (que naquela época ainda não se chamava gourmet, ainda era uma novidade sem nome) apareceu com uma caixa de Bud e disse "você gosta dessa, né?" e eu tomei com ele. Tinha uns 14 ou 15 anos. Tomei 1 ou 2, mas tomei, um momento de companheirismo simples e nada forçado.

Uma vez meus pais tinham uma festa de aniversário de um amigo para ir. Eu tinha uns 5 anos, meus irmãos uns 7 e 10. Naquela época baby sitter ainda era uma facilidade americana e européia, não era comum por aqui. Ficamos em casa sozinhos, com o Larry, nosso boxer. Das 8pm até meia-noite, mais ou menos. Assistimos TV e fomos dormir, todos no mesmo quarto. Tudo OK.

Uma vez, sem qualquer planejamento, minha mãe me contou que eu fui feita num tapete. Nenhum trauma ficou em mim por ouvir isso.

Quando era bem novinha me apaixonei pela primeira vez - respeitem o momento "primeiro amor", esqueçam que isso não é amor de verdade, vocês entenderam, vai! - e foi por um amigo do meu irmão (claro). Ele era uns 6 anos mais velho que eu e era lindo, lindo, lindo. Claro que minha irmã, uma chata de galocha, foi contar pros meus pais. Eles acharam a coisa mais normal do mundo, meu pai só comentou que ele era bem mais velho que eu e que era difícil e todo o tempo que gostei dele meus pais sabiam e disfarçavam prá eu não ficar com vergonha. Eu tinha uns 7 anos e foi a coisa mais normal do mundo prá todo mundo. Claro que meu irmão achava ridículo e minha irmã já achava que ele nunca ia olhar prá mim, mas meus pais acharam normal.

Meus pais discutiam frequentemente. Na nossa frente se preciso fosse.

Meu pai criticou meu primeiro desenho feito na escola que eu trouxe prá casa, algo como "é, tá um pouco confuso, mas está bom", sem problema algum. 

Eu dirigi pela primeira vez com 14 anos. Eu ia para Ubatuba curtir a vida sozinha, de ônibus, com 12, 13 anos. Eu saia com meus amigos e tomava cerveja com 14, 15 anos. Eu curtia rock e MPB desde pequena. Eu beijei pela primeira vez com 10 anos. Eu fui prá balada a primeira vez com uns 13. E não me pediram identidade.

Tudo isso não me fez louca, bêbada, drogada, revoltada, neurótica, frustrada. Nada disso me tornou um ser humano ruim ou bagunçado ou promíscuo ou desajustado. Isso me fez quem eu sou hoje, é parte do que me tornei do que vivi e do que penso e sinto. 

Tudo isso eu tive com pais presentes e preocupados, cuidando para que eu estivesse saudável, com amigos, brincando e estudando, buscando aquilo que eu tinha vontade. Nada disso me faz culpar meus pais por meus problemas atuais. Freud que não me ouça mas eu sou responsável pelos meus problemas, meus pais são meus pais e ponto final.

Minha mãe é uma pessoa muito difícil. Meu pai, absolutamente teimoso. Os dois são cabeça-dura, cometem milhões de erros diariamente mas tem outros milhões de acertos.

Poderia listar aqui os reais erros dos meus pais na minha formação, mas prefiro focar no que fizeram de politicamente incorreto por serem seres humanos e que, de forma alguma, me fez mal ou me prejudicou. Tudo isso faz parte de uma infância e adolescência normal, que é o que eu tive. E bem feliz, vamos combinar.

Segundo a TPM, em uma ironia deliciosa e inteligente, minha mãe é crimosa, e meu pai também. E que eu seja também, não tem problema. Sou hoje resultado de tudo isso e, quer saber? Sou bem feliz com o produto final.

Parabéns mães. Em agosto, parabéns pais!




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