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| A vista da janela, quando o dia ainda existia |
Ela viu o sol de pôr pela janela, viu a noite escurecer o céu a as luzes da praia se acendendo.
Ela abriu as cortinas, observou a vista, sentiu o vento frio e pensou que ali era o fim do dia.
Tomou a última coca cola, comeu a última besteira do dia, fez uma última caminhada para sentir o ventinho frio do outono. As horas iam passando, mas ainda restavam algumas para aquele dia realmente terminar.
Mais um banho, para relaxar. Uma pequena passada pelos canais da televisão, nada de interessante.
Ela virou a bolsa e os cacarecos de uma vida cotidiana se espalharam pela cama e, pouco a pouco, foi organizando o que manteria, amassando o que descartaria, observando com outro olhar o que lhe causava alguma dúvida, lembrança ou curiosidade.
Na pia do banheiro, escovar os dentes com cuidado e atenção, pois o dia está terminando. A água fria no rosto acompanhada daquele sabonete especial, para tirar da pele tudo que aquele dia acumulou, do suor à poeira, dos raios UV às decepções.
No espelho, a última olhada daquele dia. Teve dedos cuidadosos espalhando o creme hidratante, teve uma mão firme amarrando os cabelos em um rabo-de-cavalo, teve um sorriso forçado, primeiro para verificar os dentes. Depois, para verificar o estado da alma.
A cama estava feita, mas ela esticou um pouco mais, acertou a posição dos travesseiros. Os sapatos ela decidiu trocar, assim como a blusa e os brincos. O anel ela tirou, mas decidiu colocá-lo de volta. Aquele peso, naquele momento, parecia fazer alguma diferença.
O dia estava mais perto de acabar. Ela fechou a mala, pegou a bolsa, conferiu os documentos e partiu.
O dia, definitivamente, estava muito perto do fim. Tomou taxi, tomou avião, viu o dia acabando lá de cima, com luzes, reflexo do mar, nuvens poluídas, selva de pedra com tom sépia, das lâmpadas das ruas.
Quase acabou, pensou. Está acabando, pensou novamente.
A temperatura, fria para acompanhar o fim de qualquer coisa, estava ao lado do término de mais um dia. Não um dia qualquer, o final daquele dia parecia diferente.
Chegou se sentou no sofá do quarto, ligou a televisão, verificou o relógio, ligou o computador, tudo isso pela última vez naquele dia. Começou a ouvir algumas músicas: The Beatles, Oswaldo Montenegro, Pearl Jam, Céu, Chico Buarque... Tudo lhe agradava naquele dia, mas nada parecia caber naquele final, naquele desfecho, naquele momento de virar a página e um novo dia começar.
Ela então sentiu uma dor no peito, algo que não incomodou muito, mas que fez alguma diferença. Na cabeça algo se passava, parecia uma sacolinha ao vento, que está sem direção, mas ainda sim não para de se movimentar.
O coração estava tranquilo, calmo, quente apesar do frio. A cabeça é que não acompanhava muito. Algo estava ali, presente, mas ela não conseguia saber o quê.
Oficialmente, o dia ainda não havia terminado, mesmo ela podendo ter fechado esse ciclo horas atrás. Faltava algo.
Chocolate quente? Pizza aquecida no forno elétrico? Um chá de maçã? Ou quem sabe de hortelã? Um filme bacana? Um ou dois episódios de Friends? Ou cinco ou seis páginas do livro de cabeceira?
Na verdade, antes que o dia terminasse, ela precisava falar. Algumas palavras. Talvez não muitas, mas ela precisava se expressar.
Precisava contar como se sentia, o que pensava, o que vivia. Precisava reclamar, xingar. Precisava por para fora os questionamentos, as dúvidas, os variados sentimentos.
Antes que aquele dia terminasse, ela precisava falar que se decepcionou e que uma porta, por isso, se fechou. Porque ela a fechou.
Depois que ela disse o que queria, se expressou da maneira que pode, e depois que passou a tranca naquela porta de acesso a algo inexplicável, indescritível e totalmente desconhecido, o relógio badalou. Era, então e finalmente, o término daquele dia. Simplesmente, o fim.

2 comentários:
Uau! Adoro o ritimo desses contos e a forma como coloca as palavras. PARABENS! =)
adoro seus comentários ... obrigada por ler sempre e comentar sempre e animar sempre ...
:)
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