Um adeus que deveria ser apenas tchau, até logo ou até mais. Mas, infelizmente, é um adeus. Puro, simples, frio, curto e grosso Adeus! E se a saudade dói, o adeus dói muito mais. Ele não tem segunda chance, não tem retorno, não tem arrependimento e não temremake, reprise, remasterização, nem sequer uma sequência, um segundo ato, um “bis”.
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| Noites iluminadas e cheias de magia na Paulicéia ainda quase desvairada |
Assim se foi o Cine Belas Artes. Na esquina privilegiada, o antigo Cine Trianon (alguns dizem aberto em 1943, outros em 1952) ganhou o novo nome em 1967 e passou todos esses anos nos alegrando nas noites, muitas vezes frias, de São Paulo. Não apenas São Paulo (que de “apenas” não tem nada) mas na esquina das Avenidas Paulista e Consolação. Quem não conhece? Quem nunca passou por lá? Quem nunca, ao menos, ouviu falar?
Cinema não é cinema sem poltronas vermelhas, sem escurinho, sem cheiro de pipoca, sem uma entrada direto para a rua, com o pipoqueiro ocupando o espaço dos pedestres na calçada, sem os cartazes com luzes fortes em volta, que chama atenção lá do outro lado da avenida movimentada – ou não, não podemos ser injustos e esquecer a praça calma em frente ao Cine Odeon no Rio de Janeiro, na lista dos favoritos de qualquer amante da Sétima Arte!![]() |
| O escuro, as poltronas, o feixe de luz ... Silêncio, o filme já vai começar! |
No início, tinha três salas de projeção, espaço para exposição de artistas e ainda acolhia apresentações de música, dança, teatro… Tinha Fellini, Truffaut, Godard, A programação era definida pela Sociedade Amigos da Cinemateca e as coisas fora mudando com o tempo. Uma grande reforma no início da década de 1980 resultou em mais três salas de projeção e a história, como em um filme, ia seguindo.
O ano 2000 foi um marco. Com a decadência, veio a desistência em administrar o cinema e para evitar o fechamento – e realizar um sonho pessoal – André Sturm, cineasta, deu um jeitinho e o Cine Belas Artes manteria as portas abertas. Infelizmente, não para sempre.
Patrocínios, parcerias, reformas… Muito trabalho, e o cinema foi se mantendo, se modernizando, tinha cheiro e cara de novo, mas com uma história longa e incrível para contar e acrescentar. As noites de quinta, de domingo, os noitões madrugada adentro com bolo no início da manhã iam continuando, encantando, fazendo do cinema uma experiência ainda melhor, mais especial, única como em nenhum outro lugar seria. Em qualquer uma das salas, Heitor Villa-Lobos, Cândido Portinari, Oscar Niemeyer, Aleijadinho, Mario de Andrade ou Carmen Miranda, a sensação era de estar ali, fazendo parte do enredo, sendo uma palavra do roteiro, um feixe de luz, uma nota da trilha, uma cor da arte, uma peça da cenografia. Uma lágrima do drama, um riso da comédia.
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| Ficam para trás a história e o encanto de um cinema sem igual |
Infelizmente, o dinheiro falou mais alto. Em um discurso mais realista, mais pé-no-chão, mais democrático e contemporâneo, entendamos o que se passou: um proprietário em busca de fazer de seu imóvel uma fonte de renda justa. Em um discurso mais apaixonado, mais sentido, mais emotivo, ele se foi, apagou as luzes sucumbindo ao cansaço, à ambição, à insensatez, insensibilidade, incoerência e inconveniência de alguns que têm o poder de mandar mas não a capacidade de amar, sentir e manter viva a memória, a cultura, a arte, os sentidos, a emoção e tudo, tudo o mais que se pode sentir dentro daquele cinema. Cine Belas Artes. Adeus. Saudades.



Um comentário:
Olá,Marianna! Muito legal suas palavras sobre o Cine Belas Artes.É uma pena que valores monetários tenham tirado de cena, um pouco da história de São Paulo.Descobri seu blog por acaso através de um amigo comum a nós,Fabiano P.Um abraço e parabéns.
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