Era uma noite de terça-feira, e uma noite bem comum. Ela chegou em casa,
nem acendeu as luzes. Ligou a televisão, deixou a bolsa na cadeira, tirou o
lenço azul que estava enrolado em seu pescoço, jogou o celular no balcão e pegou
um copo d’água.
Olhou em volta e enxergou o escuro, o vazio, mas as luzes de uma cidade
que não para brilhavam lá fora, e ela enxergava tudo pela janela.
Não estava triste, nem irradiava felicidade. Não estava estressada, mas
não sentia qualquer quietude a mais que pudesse, por exemplo, lhe causar sono.
Em uma lista na porta da geladeira, escrita na noite anterior, seus
desejos para a próxima ótima noite da sua vida:
- Vinho
- Música
- Queijo brie
- Risadas
- Um ótimo filme
Entrou na cozinha, decidiu abrir um vinho, e assim o fez, com a calma que
lhe era conveniente (e esperada, já que o leve cansaço deixava os movimentos
bem lentos). Trocou a televisão por música. A seleção era variada, enchia a
mente de nuvens de pensamentos que flutuavam de um jeito meio inebriante, e esses pensamentos logo se tornaram doces devaneios, acompanhando aquela taça de um bom chileno, o único disponível.
O celular toca, uma mensagem. Que mereceu resposta, que gerou mais uma e mais outra, e 35 minutos
e 43 mensagens depois, a promessa de uma visita.
Ela se sentou, continuou saboreando a música, sentindo o vinho. Ou
vice-versa. Sua calma fazia com que tudo se misturasse da forma mais simples
possível.
Ela não estava mais sozinha. Naquela noite, se divertiu com risadas,
com comentários maldosos, com críticas construtivas e outras não tão
construtivas assim. Foram 2 horas e meia de papo, discussões sobre música,
cinema, livros, curiosidades sobre as coisas mais interessantes, mais fúteis,
mais bobas, mais velhas e mais inovadoras possíveis. Tudo uma delícia.
Ela se sentia a pessoa mais normal do mundo, passando horas agradáveis.
E era só uma terça-feira, comum como as outras. Mas uma muito, muito boa.
Era cedo, mas incomodamente tarde para uma terça-feira. Garrafa de
vinho vazia, músicas da playlist já repetindo, bocejos indesejados. Era hora de
fechar a noite.
Levantou meio desajeitada, e foi surpreendida com um abraço. Retribuiu esperando encontrar naqueles braços apenas um gesto comum, mesmo que muito bom.
O abraço foi apertado, demorado, acompanhado de uma certa melancolia. Ele não
terminava, e ela não queria mesmo que terminasse. O tempo se passou bem depressa
ou bem demorado, ela não sabia, pois perdeu toda a noção, perdeu até o chão
debaixo dos pés. Ela queria sentir aquilo para o resto da vida, se pudesse. Era
um calor ameno, um aconchego inesperado, um carinho inexplicável.
Não se sabe porquê, mas o abraço terminou. A porta se abriu e ele se
foi. Mas antes de passar pela porta, ele se despediu com “boa noite”, falado em tom baixo, e um beijo. Na nuca. Era tudo que podia, era tudo que conseguia, era
tudo que teria. E assim, deixou para trás uma sensação completamente inesperada,
mas que teve um significado, mesmo que inexplicável. Foi mais intenso que
qualquer gesto mais óbvio, mais evidente, mais claro.
Ela fechou a porta e a passos muito, muito lentos, caminhou para a
cozinha, ainda com sua taça vazia na mão esquerda. E se deparou com sua lista.
A lista para a próxima ótima noite de sua vida. Tratou de atualizá-la, com um
leve sorriso no rosto, corado pelo vinho. Seria mesmo pelo vinho?
- Vinho OK
- Música OK
- Queijo brie OK
- Risadas OK
Um ótimo filme- Beijo na nuca OK
Um comentário:
ahá! Fofa!
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