terça-feira, 21 de agosto de 2012

Um beijo na nuca


Era uma noite de terça-feira, e uma noite bem comum. Ela chegou em casa, nem acendeu as luzes. Ligou a televisão, deixou a bolsa na cadeira, tirou o lenço azul que estava enrolado em seu pescoço, jogou o celular no balcão e pegou um copo d’água.

Olhou em volta e enxergou o escuro, o vazio, mas as luzes de uma cidade que não para brilhavam lá fora, e ela enxergava tudo pela janela.

Não estava triste, nem irradiava felicidade. Não estava estressada, mas não sentia qualquer quietude a mais que pudesse, por exemplo, lhe causar sono.

Em uma lista na porta da geladeira, escrita na noite anterior, seus desejos para a próxima ótima noite da sua vida:

  • Vinho
  • Música
  • Queijo brie
  • Risadas
  • Um ótimo filme


Entrou na cozinha, decidiu abrir um vinho, e assim o fez, com a calma que lhe era conveniente (e esperada, já que o leve cansaço deixava os movimentos bem lentos). Trocou a televisão por música. A seleção era variada, enchia a mente de nuvens de pensamentos que flutuavam de um jeito meio inebriante, e esses pensamentos logo se tornaram doces devaneios, acompanhando aquela taça de um bom chileno, o único disponível.

O celular toca, uma mensagem. Que mereceu resposta, que gerou mais uma e mais outra, e 35 minutos e 43 mensagens depois, a promessa de uma visita.

Ela se sentou, continuou saboreando a música, sentindo o vinho. Ou vice-versa. Sua calma fazia com que tudo se misturasse da forma mais simples possível.

Ela não estava mais sozinha. Naquela noite, se divertiu com risadas, com comentários maldosos, com críticas construtivas e outras não tão construtivas assim. Foram 2 horas e meia de papo, discussões sobre música, cinema, livros, curiosidades sobre as coisas mais interessantes, mais fúteis, mais bobas, mais velhas e mais inovadoras possíveis. Tudo uma delícia.

Ela se sentia a pessoa mais normal do mundo, passando horas agradáveis. E era só uma terça-feira, comum como as outras. Mas uma muito, muito boa.

Era cedo, mas incomodamente tarde para uma terça-feira. Garrafa de vinho vazia, músicas da playlist já repetindo, bocejos indesejados. Era hora de fechar a noite.

Levantou meio desajeitada, e foi surpreendida com um abraço. Retribuiu esperando encontrar naqueles braços apenas um gesto comum, mesmo que muito bom. O abraço foi apertado, demorado, acompanhado de uma certa melancolia. Ele não terminava, e ela não queria mesmo que terminasse. O tempo se passou bem depressa ou bem demorado, ela não sabia, pois perdeu toda a noção, perdeu até o chão debaixo dos pés. Ela queria sentir aquilo para o resto da vida, se pudesse. Era um calor ameno, um aconchego inesperado, um carinho inexplicável.

Não se sabe porquê, mas o abraço terminou. A porta se abriu e ele se foi. Mas antes de passar pela porta, ele se despediu com “boa noite”, falado em tom baixo, e um beijo. Na nuca. Era tudo que podia, era tudo que conseguia, era tudo que teria. E assim, deixou para trás uma sensação completamente inesperada, mas que teve um significado, mesmo que inexplicável. Foi mais intenso que qualquer gesto mais óbvio, mais evidente, mais claro.

Ela fechou a porta e a passos muito, muito lentos, caminhou para a cozinha, ainda com sua taça vazia na mão esquerda. E se deparou com sua lista. A lista para a próxima ótima noite de sua vida. Tratou de atualizá-la, com um leve sorriso no rosto, corado pelo vinho. Seria mesmo pelo vinho?

  • Vinho  OK
  • Música  OK
  • Queijo brie  OK
  • Risadas  OK
  • Um ótimo filme   
  • Beijo na nuca  OK