Ela sentava nas escadas e escrevia poesias. Dormia agarrada a um travesseiro e bebia chá quente todas as noites. Ela trancava a porta três vezes, tinha preguiça de lavar a louça e nunca conseguiu ler um livro de Nietzsche. Nunca sequer conseguiu começar.
E se ela fosse, na verdade, espirituosa, talentosa, forte, sagaz e com um humor inabalável? E se ela fosse, na verdade, a mulher segura e independente que aparentava ser?
O que seria dela se ela fosse, realmente, intocável, invencível?
O que seria dos demais se ela fosse, de verdade, indestrutível, incontestável?
O que seria de quem a amava se ela fosse, de fato, imutável?
A verdade é que ela não sabia quem realmente era, mas talvez soubesse quem ela não queria ser, naquele momento e dali em diante.
A realidade é que ela escondia do mundo aquilo que não queria enxergar nela mesma. A fragilidade, o medo, os sonhos, a doçura, a delicadeza. Ela não podia evidenciar, assim, de graça, o que desejava, o que buscava e, mais importante, o que amava.
Ela passava dias sozinha e se dizia feliz. Ela passava noites em claro e dizia que descansava. Ela sonhava com uma vida diferente e se dizia satisfeita.
Ela comia salada querendo chocolate e comia chocolate prometendo comer salada. Beijava quem não interessava, ignorava quem amava.
Ela era feliz, de certa forma. Sofria pouco, reclamava menos, mas sonhava todas as noites com mudanças. Com bomba atômica, com a loteria, com cirurgia plástica, com um milagre ou uma reviravolta. Passava noites, dormindo ou em claro, esperando o inesperado fazer o dia virar noite ou a saudade virar calor.
Ela escondia com maquiagem, com risadas, com casacos e um copo meio cheio de um whisky 12 anos. 
E se ela decidisse mudar? E se ela virasse o jogo? E se ela decidisse mostrar ao mundo, e ao seu espelho, quem realmente era? 
E, afinal, quem era ela? 
Será que o avesso, o contrário? O que aparentava mas de ponta cabeça? Ou aquilo que todo mundo enxergava, menos ela? Ou tudo que o mundo esperava ou gostaria e ela, simplesmente, relutava? Ou talvez aquilo que, por puro medo e insegurança, ela escondia? Ou, de repente, tudo aquilo que você queria e sonhava, amava e desejava, em um único exemplar e você, seja lá por qual motivo, fingia não ver?
 
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